Novembro 20, 2017
Os números recentemente divulgados pela Comunicação Social sobre a sinistralidade rodoviária na classe de motociclos e ciclomotores demonstram que o número de mortes cresceu de forma assustadora este ano, qualquer que seja o critério de análise.
Apesar do comparativo específico com 2016 poder estar algo desajustado por ter sido um ano de sinistralidade anormalmente baixa nos motociclos (2RM), o comparativo com a média dos anos antecedentes só pode causar alarme na comunidade rodoviária, tal o crescimento do número de mortos.
Mesmo se insistirmos em ver apenas o melhor ano – 2016 – ainda assim o risco de morrer num motociclo, nesse ano, era 4,5 vezes superior ao risco de tal acontecer num automóvel ligeiro (20,9/4,5 mortos por 100 000 veículos segurados).
Acredito que o simples bom senso bastaria para se poder concluir que é ilegítimo relativizar o aumento do número de mortes em 2017, com retórica política ancorada em duvidoso conhecimento da estatística.
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Aliás, a seriedade do fenómeno da sinistralidade nos motociclos e ciclomotores é uma preocupação de interesse público constantemente invocada pelo Estado português e por quem, em cada momento, o tem representado.
Foi, aliás, a realidade dos números de mortos e feridos, o custo económico e pessoal das perdas incorridas e a necessidade de evitar o descontrolo do fenómeno da sinistralidade nos motociclos e ciclomotores que levaram a Assembleia da República a legislar, tornando obrigatória a inspeção técnica destes veículos.
A iniciativa parlamentar invoca a necessidade de mitigar os riscos de quem conduz esta classe de veículos, sendo óbvio, para além das questões ambientais, que um dos riscos a considerar é o risco técnico, resultante de desconformidades entre a realidade atual do veículo e o standard de quem o fabricou e colocou no mercado.
O interesse público justificativo da lei era tão intenso e urgente que o Executivo e os reguladores impuseram aos concessionários das inspeções técnicas uma obrigação de investimentos em tecnologia, instalações e formação de técnicos com vista a executar tempestivamente as tarefas previstas.
O investimento total dos centros de inspeção técnica superou os trinta milhões de euros e cumpriu o apertado calendário de execução definido pelo Estado como o adequado à urgência da situação de sinistralidade nos motociclos e ciclomotores.
Inexplicavelmente, depois de tudo preparado e sem que tivesse havido qualquer alteração estrutural nos números fundamentais da sinistralidade nesta classe de viaturas, o Governo tem-se mostrado absolutamente incapaz de cumprir as suas obrigações de regulamentação, impedindo assim, intencionalmente, o início das inspeções obrigatórias dos motociclos.
À luz do que fomos vendo, ouvindo e lendo sobre as diversas posições políticas nesta matéria, é legítimo pensar que a única razão substantiva para esta situação é a oposição militante e profundamente incoerente de um deputado motoqueiro.
Os centros de inspeção sabem perfeitamente que cabe aos deputados fazer as leis da República, assim como também é sua competência reverter, alterar ou adiar a sua aplicação. Contudo, isso requer um processo legislativo formal, devidamente publicitado e discutido em transparência para a opinião pública.
Só num país menor, a aplicação de uma lei geral, votada por maioria, esbarra no interesse, capricho ou compromisso de oposição de uma pessoa ou grupo de amigos.
E enquanto esse lamentável filme continua a exibir a falta de capacidade do Estado para manter a coerência das suas próprias determinações, no plano da realidade cresce significativamente o número de mortos em acidentes de motociclos e ciclomotores.
Melhor andaria o Estado se fizesse o que tem a fazer para contribuir para a preservação de mais vidas, pois no mesmo passo mostraria a coerência que se espera das instituições.
Artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias de dia 20/11/2017. Edição impressa