Outubro 19, 2018
“A imposição de determinados requisitos técnicos a todos os veículos a motor que circulam na via pública e a verificação do seu cumprimento é um imperativo nacional e comunitário, que tem por objetivo a salvaguarda da segurança rodoviária e a promoção da sustentabilidade ambiental. Um veículo com inspeção é, decididamente, um veículo mais seguro e mais ecológico”, defende, em entrevista à “Vida Económica”, o presidente da ANCIA, Paulo Areal.
Vida Económica – Quais os principais desafios para os centros de inspeção automóvel em Portugal?
Paulo Areal – O setor depara-se atualmente com enormes desafios relacionados com a abertura dos novos centros de inspeção, a elevada comparticipação financeira para o IMT IP, cujo valor coloca em causa a sua sustentabilidade, assim como os elevados investimentos efetuados para o cumprimento da Portaria n.º 221/2012, designadamente na implementação de novas metodologias de inspeção ao nível da verificação das luzes, simulação de carga a pesados e registo fotográfico dos veículos na inspeção, assim como a obrigatoriedade na construção e apetrechamento de áreas específicas para inspeção aos motociclos, triciclos e quadriciclos. Apesar das exigências que foram impostas ao setor, os Centros de Inspeção reafirmam ter como objetivo principal manter o elevado rigor e qualidade no controlo técnico dos veículos, acompanhar a sua crescente evolução tecnológica, reforçar o seu contributo na diminuição da sinistralidade rodoviária e melhoria da qualidade ambiental, e verificação da conformidade dos veículos.
VE – No âmbito do Dia Europeu sem uma Morte na Estrada, assinalado pela ANCIA, em parceria com a GNR, no dia 19 de setembro, defenderam o alargamento das inspeções a todos veículos motorizados. Porquê?
PA – O sistema de inspeção técnica de veículos em Portugal tem dado um elevado contributo para a diminuição da sinistralidade rodoviária no nosso país. Contudo, pode e deve ser melhorado através da extensão da obrigação de inspeção a todos os veículos a motor que circulam na via pública. Por outro lado, atendendo às notícias sobre práticas que atentam contra os valores ambientais, deveria avançar-se com a implementação de um ensaio extraordinário intercalar para controlo das emissões poluentes. A imposição de determinados requisitos técnicos a todos os veículos a motor que circulam na via pública e a verificação do seu cumprimento é um imperativo nacional e comunitário, que tem por objetivo a salvaguarda da segurança rodoviária e a promoção da sustentabilidade ambiental. Um veículo com inspeção é, decididamente, um veículo mais seguro e mais ecológico.
VE – No caso dos tratores agrícolas com o aumento da sinistralidade que referem (358 mortes em Portugal entre 2013 e 2017, das quais 61 no ano passado), foram preponderantes problemas nos veículos detetáveis em inspeções periódicas?
PA – A sinistralidade associada aos tratores agrícolas tem constituído um fator de preocupação e a ANCIA defende a implementação da inspeção técnica obrigatória a esta categoria de veículos, tendo em 2015 elaborado um manual de procedimentos de inspeção, documento este que foi entregue à ANSR e ao IMT IP. De acordo com o relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho constituído pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, Autoridade para as Condições do Trabalho, Instituto da Mobilidade e dos Transportes, a GNR e a Direcção-Geral de Agricultura de Desenvolvimento Rural, foram identificados os principais fatores de risco para os utilizadores destes veículos, designadamente, a inexistência do uso do arco de proteção ou cabina de proteção, um parque automóvel envelhecido e sem os necessários equipamentos de segurança e uma manutenção pouco regular e descuidada. O controlo técnico desta categoria de veículos pelos centros de inspeção iria, seguramente, contribuir para a redução da sinistralidade, na medida em que, numa inspeção técnica, são verificadas as condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e das condições de segurança destes veículos, de acordo com as suas características originais homologadas ou as resultantes de transformação autorizada. É bom lembrar que esta categoria de veículos já se encontra sujeita a controlo técnico na nossa vizinha Espanha, e nos Açores desde 2004 que também são sujeitos a inspeção periódica.
VE – Há alguns anos que se fala nas inspeções periódicas obrigatórias a motociclos. O que atrasa a implementação de legislação?
PA – A inspeção técnica obrigatória aos motociclos foi, pela primeira vez, anunciada no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária de 2003, onde se estabeleceu a necessidade de alargar as inspeções técnicas obrigatórias a estes veículos, assim como, posteriormente, na Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária (2008-2015), designadamente, no Ponto 21, relativo à extensão das inspeções aos veículos de duas e três rodas, com o objetivo de garantir uma maior segurança na sua circulação. A extensão da obrigatoriedade de inspeção a estes veículos veio a ser operacionalizada através da publicação do Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de julho, que alargou o universo de veículos a sujeitar a inspeção aos motociclos, triciclos e quadriciclos com cilindrada superior a 250 cc. Neste enquadramento, foi publicada a Portaria n.º 221/2012, de 20 de julho, que estabeleceu novos requisitos técnicos a que devem obedecer os centros de inspeção, facto este que obrigou as entidades a implementar áreas específicas para inspeção aos motociclos, triciclos e quadriciclos, assim como na aquisição de novos equipamentos e, consequentemente, a pesados investimentos. Em 31 de dezembro de 2013, foi publicada a Portaria n.º 378-A/2013, que introduziu a correspondente tarifa pela prestação deste serviço (no valor atual de 12,74 euros), encontrando-se a generalidade dos centros de inspeção, nos termos da legislação em vigor, preparados para inspecionar estes veículos. Considerando que o Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de julho, com as sucessivas alterações, estabelece que a obrigatoriedade do controlo técnico destes veículos só produz efeitos a partir da publicação de portaria do membro do Governo responsável pela área dos transportes, aguarda-se a sua publicação, assim como da regulamentação necessária, designadamente, a classificação das respetivas deficiências.
VE – Como analista as críticas dos motociclistas a essa eventual obrigatoriedade?
PA – É inegável que um motociclo sujeito a inspeção periódica é um veículo mais seguro e com menor risco de participar em acidentes, na medida em que o controlo técnico efetuado pelos centros de inspeção verifica, com regularidade, a manutenção das boas condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e das suas condições de segurança. De referir, ainda, que estamos perante uma categoria de veículos sujeita a uma tarifa da inspeção de 12,74 euros e com uma periodicidade idêntica aos automóveis ligeiros de passageiros, pelo que, seguramente, não será pela receita derivada do reduzido valor da prestação deste serviço, num contexto em que 15% deste valor reverte para o IMT IP.
VE – Que benefícios traria essa obrigatoriedade?
PA – A inspeção técnica a estes veículos traduz-se, naturalmente, numa maior segurança na sua circulação, particularmente importante num momento em que se verifica um aumento da utilização dos veículos de duas rodas, e um aumento preocupante da sinistralidade associada a esta categoria de veículos. Importa referir que estamos perante um grupo de utentes da estrada com o mais elevado risco de segurança, pelo que a inspeção técnica destes veículos, ao detetar, atempadamente, as deficiências que afetem a sua aptidão para circular com segurança, assume elevada importância, quer na diminuição da sinistralidade rodoviária, quer do ponto de vista ambiental, contribuindo, em larga medida, para reduzir as emissões poluentes, de gases e de ruído, devendo esta medida ser estendida a todos os veículos a motor de duas e três rodas.
VE – O número de centros de inspeção em Portugal é satisfatório?
PA – O número de centros de inspeção atualmente existente em Portugal é demasiadamente elevado e constitui um potencial risco para a qualidade do serviço prestado. A procura deste serviço não é elástica, porque o número de veículos a inspecionar é, sensivelmente, o mesmo. O problema pode ser sério, como o próprio Estado o reconhece no diploma relativo ao regime jurídico desta atividade que vigorou até 2011 (DL 550/99), e em cujo preâmbulo se refere que “…o elevado número de empresas a exercer esta atividade evidenciou algumas dificuldades de controlo do sistema, apesar de se ter assegurado, nos últimos anos, a sua estabilização, tendo sido certificados todos os centros”. Esta estabilização foi colocada em causa com a abertura de novos centros de inspeção muito para além daquilo de que o utente necessita deste setor de atividade e com o aumento da contrapartida financeira para o IMT, IP. Acresce a tudo isto, que já é muito, a situação dos elevados investimentos impostos aos centros de inspeção com a Portaria nº 221/2012, e sem dúvida que ficam em causa a sustentabilidade e solvabilidade das empresas que exercem esta atividade, pressuposto essencial para garantir a qualidade e rigor na prestação deste serviço.
VE – O alargamento a todos os veículos motorizados ou, pelo menos, aos motociclos representaria mais procura.Os centros de inspeção têm capacidade de resposta?
PA – Os centros de inspeção têm plena capacidade para dar resposta ao alargamento da inspeção técnica a todos os veículos a motor e seus reboques.
Devo dizer que, até à publicação do atual regime jurídico, as entidades autorizadas a exercer esta atividade adequaram-se à procura deste serviço e, em consequência, efetuaram avultados investimentos e aumentaram a sua capacidade. Ou seja, as entidades tiveram que se adaptar às necessidades desta atividade, apetrecharam-se, contrataram mais inspetores, instalaram novas linhas de inspeção e adquiriram mais equipamentos. Com a abertura de novos centros de inspeção muito para além daquilo de que o utente necessita, chegamos ao ponto em que a oferta deste serviço é largamente superior à procura.
VE – De que forma é que os centros de inspeção e as oficinas automóveis podem ser parceiros na promoção do bom estado do parque automóvel circulante?
PA – Temos uma visão integradora do setor automóvel, acreditamos que cada atividade tem a sua lógica técnica e a sua utilidade social. A atividade desenvolvida pelos centros de inspeção enquadra-se no exercício do poder público que lhes foi delegado pelo Estado, certificando que um veículo está apto a circular na via pública e que cumpre as características exigidas e obrigatórias em termos ambientais e de segurança.
VE – No evento promovido pela ANCIA a 19 de setembro, no Dia Europeu sem uma Morte na Estrada, as empresas de pronto-socorro, que ultimamente têm tido acidentes e mortos na estrada, estiveram em destaque. Preocupa-o essa situação?
PA – Preocupam-me todas as situações que, em resultado de acidentes rodoviários, envolvam mortos ou feridos na estrada. A ANCIA, a GNR e a Associação Estrada Mais Segura promovem este evento desde 2016 com o objetivo encorajar todos os utentes da estrada a refletir sobre o seu comportamento, assim como promover a sensibilização para os riscos da condução e contribuir para a redução da sinistralidade rodoviária.
VE – De que forma é que ARAN e ANCIA podem, em conjunto, trabalhar pela segurança rodoviária em Portugal?
PA – A segurança rodoviária é uma responsabilidade de todos, pelo que as associações, em função do setor que representam, devem trabalhar em conjunto em iniciativas que promovam a segurança nas nossas estradas. O objetivo consensual é o de gerar na comunidade uma cultura de segurança rodoviária, sensibilizando sobretudo os mais jovens para uma utilização atenta e responsável dos veículos a motor. Neste contexto, assume particular relevância a necessidade de efetuar uma manutenção regular e de cumprir a obrigação legal de controlo técnico nos centros de inspeção dentro das periodicidades previstas na lei.
Entrevista publicada no site do «Vida Económica»