Entrevista a José Artur Neves para a revista da ANCIA

Junho 12, 2018

O Secretário de Estado da Proteção Civil reiterou a intenção de regulamentar a realização de inspeções periódicas a veículos motorizados de duas rodas com mais de 250cc e defendeu a fiscalização como um pilar «importante» nas políticas de segurança rodoviária.

Registaram-se 137 mortos nas estradas portuguesas entre Janeiro e Abril, mais 7 do que em igual período do ano anterior. Que análise faz destes números?
A sinistralidade rodoviária em Portugal teve um comportamento bastante positivo, entre 2010 e 2016, registando a maior redução de vítimas mortais da União Europeia.
Em 2017, inverteu-se essa tendência de redução, com o aumento de 65 vítimas mortais (24 horas) face a 2016. Numa análise mais detalhada, podemos concluir que a sinistralidade em veículos de “2 rodas a motor” e os atropelamentos foram as tipologias que mais contribuíram para o aumento de vítimas mortais. Sobre o comportamento da sinistralidade em 2018, ainda é cedo para tirar conclusões, mas não apresenta os mesmos padrões do ano anterior.

Em 2017, houve, como referiu uma inversão da tendência, triplicando as mortes nos acidentes com motociclos até 125 centímetros cúbicos e, no caso daquelas com mais de 250 centímetros cúbicos, duplicaram. Prevê-se a tomada de medidas excepcionais no âmbito dos motociclos?
Logo no início de 2018, o Ministério da Administração Interna anunciou a intenção de regulamentar a realização de inspeções periódicas a veículos motorizados de duas rodas com mais de 250cc, a intenção de dotar de conhecimentos necessários os condutores de motociclos a partir de 125cc e a realização de uma campanha de sensibilização de comportamento de segurança para todos os condutores, em especial em veículos de 2 rodas a motor. Esta campanha será feita em colaboração com os parceiros do sector.

Que medidas poderiam contribuir para melhorar o comportamento dos portugueses nas estradas, indo ao encontro dos apelos do Governo?
A fiscalização é sempre um pilar importante nas políticas de segurança rodoviária. O governo prepara-se para aprovar, sob proposta da ANSR, o Plano Nacional de Fiscalização. Trata-se de uma medida no âmbito do Pense 2020, que pretende incidir o esforço da fiscalização para os locais onde existe maior incidência de acidentes com vítimas, ligados à velocidade, álcool e uso do cinto de segurança. Pretendemos assim aumentar a eficácia na fiscalização e alterar comportamentos em locais especialmente reincidentes. Outra das preocupações está relacionada com o consumo de álcool. Cerca de 25% dos acidentes com vítimas possuem pelo menos 1 interveniente com álcool no sangue. Temos de continuar a apostar em campanhasde sensibilização dos condutores para não ingerirem álcool e continuar a apostar em políticas que reduzam o risco de reincidências por parte dos condutores.

Os centros de inspeção periódica, no estrito cumprimento das normas impostas pelo IMT,IP, foram obrigados a fazer alterações e a comprar equipamentos para realizarem a inspeção periódica obrigatória a motas. Como lidar com esta situação: investimentos feitos e ausência de motas?
Os números de vítimas verificados em motociclos, em 2017, não nos deixam margem de manobra para não atuar nesta área de utentes. Pensamos que a regulamentação da realização de inspeções periódicas a veículos motorizados de duas rodas com mais de 250cc pode introduzir melhorias no sistema. A grande maioria dos países da união europeia já avançou com a medida e defendo que esta medida, introduzida de forma gradual, em Portugal possa contribuir para melhorar a segurança rodoviária deste tipo de veículos. Mas não podemos ter a noção que vai resolver todos os nossos problemas. Temos de continuar a apostar na sensibilização, com campanha dirigidas a este seguimento, alertando para comportamento de risco.

Portugal adotou um guia de boas práticas de segurança rodoviária nas empresas, mas que não éobrigatório. Como espera o Governo obter efeitos práticos?
Enquadrado numa das ações do PENSE 2020, procedeu-se à sua tradução e adaptação da norma ISO:39001 de 2012, tendo dai resultado a versão portuguesa na norma ISO: 39001- Sistema de Gestão de Segurança Rodoviária sido editada pelo IPQ em 15/12/2017. Esta norma torna-se assim num importante instrumento para que entidades públicas e privadas possam convergir os seus esforços para a redução de lesões graves e até mortes nas viagens durante o trabalho ou em deslocação para o mesmo. Nesta fase, iremos realizar alguns seminários de apresentação da norma. O primeiro realizou-se a 20 de abril, em Lisboa e ainda durante o mês de maio irá realiza-se, um segundo, no município do Porto. Posteriormente, está prevista a realização de reuniões com as principais organizações e confederações do sector empresarial com o objetivo de delinear estratégias de aplicação da norma.

Nesta matéria, Espanha foi um dos primeiros países a adotar a norma internacional e concede às empresas “bónus na contribuição social” Poderá passar por aí?
O exemplo espanhol foi um dos apresentados no âmbito do seminário organizado em abril. Iremos trabalharem parceria com as principais organizações e confederações do sector empresarial com o objetivo de delinear estratégias de aplicação da norma.

A sinistralidade é uma questão de cumprimento escrupuloso do Código da Estrada ou teremos de admitir sempre alguma taxa de acidentes?
Enquanto existirem vítimas mortais resultantes de acidentes rodoviários, existe sempre fundamento para continuarmos a luta para que as mesmas não aconteçam. A execução das medidas previstas no PENSE 2020 é fundamental para conseguirmos retomar a trajetória de redução das vítimas da estrada e alcançar as metas previstas de 41 mortos por milhão de habitantes em 2020, o que se traduz numa redução de 56% em relação a 2010.

A ANCIA tem promovido iniciativas de sensibilização das crianças em idade escolar, realizando visitas dasescolas aos centros. Acha que a segurança rodoviária poderia ser enquadrada no sistema de ensino?
A segurança rodoviária já está presente no sistema educativo através Estratégia de Educação para aCidadania. A estratégia está organizada em 3 grupos: o primeiro, obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais), o segundo, pelo menos em dois ciclos do ensino básico, o terceiro com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade. A Segurança Rodoviária encontra-se incluída no segundo grupo. Os resultados de aplicação desta Estratégia serão avaliados no final do atual ano letivo.

Há quem defenda que o segredo do controlo da sinistralidade está na tolerância zero nos exames de condução, rigor máximo nas inspeções e maiores sanções rodoviárias. Concorda com esta receita?
A problemática da sinistralidade rodoviária é demasiado complexa para se restinguir a receitas fechadas. Devemos ter um ensino de condução moderno, de qualidade e adequado às exigências atuais. Deve ser garantido que todo o tipo de veículos circulam na via publica com condições de segurança. Por fim o sistema contraordenacional deve ser eficaz para que os condutores adaptem e corrijam os seus comportamentos.

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